Chernobyl brasileiro: goiás teve um dos piores acidentes nucleares até hoje

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Pouco mais de 30 anos depois, o pior acidente nuclear já acontecido no mundo está sendo recontado pela série “Chernobyl”, da HBO. A história dessa catástrofe está fresca na cabeça das pessoas e é bastante conhecida — inclusive, já falamos sobre ela aqui no TecMundo —, mas o que poucas pessoas sabem é que um dos episódios mais preocupantes do mundo envolvendo radioatividade se passou no interior do Brasil.

Tudo aconteceu há pouco mais de 30 anos, em setembro de 1987, apenas um ano e cinco meses após o acidente da Usina Nuclear de Chernobyl. Em Goiânia, capital do estado de Goiás, um instituto de radiologia havia sido fechado e abandonou no prédio onde funcionava um aparelho usado para realizar radioterapia, uma modalidade de tratamento para eliminar tumores cancerígenos. Esse aparelho utiliza o isótopo césio-137 para gerar radiações ionizantes com pequeno comprimento de onda e alta frequência.

Quem mais sofreu foi sua sobrinha de seis anos de idade, Leide das Neves Ferreira, que acabou ingerindo o pó como se fosse sal de cozinha

O aparelho abandonado no prédio desocupado foi encontrado por catadores de sucata, que buscavam materiais dentro da antiga clínica para venderem para ferros-velhos. Foi o comprador da sucata dos catadores, Devair Ferreira, quem acessou o material radioativo — o césio-137 — que estava dentro do aparelho de radioterapia. Tratava-se de cloreto de césio, um sal muito parecido com o sal de cozinha (cloreto de sódio), mas que emitia uma luz azulada quando em ambientes escuros. Essa característica chamou atenção de Devair, que levou o césio para casa para mostrar para familiares e amigos.

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Ferro-velho onde o césio-137 foi obtido no desmanche do aparelho de radioterapia (Foto: Yoshikazu Maeda / O Popular)

Catástrofe nuclear brasileira

A partir daí, o cenário para a catástrofe estava montado: dentre os amigos e parentes de Devair que tiveram contato com o sal de césio-137, quem mais sofreu foi sua sobrinha de seis anos de idade, Leide das Neves Ferreira, que acabou ingerindo o pó como se fosse sal de cozinha, e a esposa do dono do ferro velho, Maria Gabriela. As duas morreram pouco mais de um mês depois do contato e foram sepultadas em caixões de chumbo — da mesma forma que é mostrado no terceiro capítulo da minissérie “Chernobyl”, da HBO — para evitar a contaminação do solo e dos arredores.

A radiação provoca a degradação celular e causa danos à estrutura do DNA

O césio-137, por ser uma substância capaz de absorver humidade, tem uma grande capacidade de “grudar” em objetos, como roupas e utensílios, o que espalhou o material radioativo por muitas partes de Goiânia em poucos dias. Muitas pessoas em torno da família de Devair começaram a exibir sintomas de síndrome aguda da radiação, que inclui náuseas, vômito e predisposição para infecções e hemorragias. Pior ainda do que isso, a radiação provoca a degradação celular e causa danos à estrutura do DNA.

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A menina Leide das Neves Ferreira, uma das vítimas fatais do acidente com césio-137

Contaminação radioativa

Demorou 15 dias após os primeiros contatos com o césio-137 para que o alerta de contaminação fosse dado em Goiânia — depois que os médicos da cidade ligaram os pontos devido aos atendimentos cada vez mais frequentes de pessoas com os sintomas de síndrome aguda da radiação e que a esposa de Devair comentou sobre o desmonte do aparelho radioterapêutico.

Mais de 112 mil pessoas foram levadas pelo Cnen para o Estádio Olímpico de Goiânia e foram testadas em busca de níveis de radiação

Uma operação complexa foi organizada para descontaminar a cidade e minimizar o impacto da radiação sobre as pessoas em Goiânia. Ao todo, quatro pessoas morreram diretamente por causa da radiação do césio-137 nos dias posteriores ao acidente — além da esposa e da sobrinha de Devair, dois funcionários de seu ferro-velho, responsáveis pela abertura do aparelho e a remoção do chumbo que aproveitariam da máquina, faleceram dias depois.

Devair e seu irmão Ivo, pai da menina Leide, morreram anos depois, o primeiro de câncer em 1994, e o segundo com enfisema pulmonar em 2003, devido ao hábito de fumar que adquiriu devido à depressão pela perda da filha

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Contaminadas gravemente, muitas pessoas buscaram tratamento médico no Rio de Janeiro (Foto: Lorisvaldo de Paula)

Acidente de alto risco

Na época, logo após o acidente, mais de 112 mil pessoas foram levadas pelo Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) para o Estádio Olímpico de Goiânia e foram testadas em busca de níveis de radiação. Dessas, 271 apresentaram contaminação pelo césio-137. No aniversário de 25 anos do acidente, em 2012, em torno de 104 pessoas vieram a falecer nos anos após o desastre por causa da contaminação, seja decorrente de câncer ou de outros problemas, e cerca de 1.600 haviam sido afetadas diretamente pela radiação.

O acidente com o césio-137 em Goiânia foi considerado de nível 5 na Escala Internacional de Acidentes Nucleares, que vai de 1 até 7, sendo que Chernobyl é classificada no valor máximo e Fukushima apresentou nível 6. De acordo com essa escala, o nível 5 apresenta “liberação de quantidade limitada de materiais radioativos com várias mortes ou grande quantidade dentro de uma instalação.”

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Pessoas sendo analisadas pelo Cnen em busca de traços de radiação no Estádio Olímpico de Goiânia (Foto: Yoshikazu Maeda / O Popular)

Rescaldo do acidente

A limpeza da área afetada pelo acidente com o césio-137 gerou 13,4 toneladas de resíduo radioativo que foram armazenadas em contêineres especiais, enterrados sob uma montanha artificial de terra e camadas de concreto e chumbo para evitar a propagação de radioatividade.

Eu me contaminei e acabei virando uma fonte radioativa

Hoje, Odesson Alves Ferreira, outro irmão de Devair, é presidente da Associação de Vítimas do Césio-137 (AVCésio), formada para defender os direitos das vítimas da contaminação. Ele tinha 32 anos na época do acidente e foi gravemente afetado. “Eu me contaminei e acabei virando uma fonte radioativa. As pessoas que passaram por mim foram irradiadas por mim, inclusive a minha família”, disse Ferreira para a BBC em uma entrevista em 2011.

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Parte do lixo atômico causado pelo acidente nuclear em Goiânia (Foto: Yoshikazu Maeda / O Popular)

A história é profundamente triste e preocupante, mas, da mesma maneira que acontece com o caso de Chernobyl, retratado com perfeição na minissérie da HBO, precisa servir como lição e aviso sobre os perigos do uso de tecnologias nucleares sem cuidado. As consequências são gravíssimas e muita gente acaba pagando pelos erros de poucos, que geralmente saem ilesos quando coisas assim acontecem.

Fonte: tecmundo

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