A indústria de aves e suínos do Brasil, que vem obtendo notáveis resultados com a disparada das exportações de carnes, principalmente para a China, será testada em 2019 sua capacidade de lidar com uma alta inesperada dos preços de sua principal matéria-prima, o milho.
Chuvas excessivas nos Estados Unidos, os maiores produtores e exportadores globais, geraram um atraso recorde no plantio e quebra de safra, impulsionando na quinta-feira os preços na bolsa de Chicago para máximas de cerca de quatro anos, o que tem se refletido no mercado brasileiro, apesar de o Brasil estar no caminho de uma produção histórica do cereal.
“A alta do preço do milho (desde maio) pegou todo mundo de calça curta”, disse o pesquisador da área de proteína animal do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Thiago Bernardino de Carvalho.
Na comparação com as mínimas do ano, no início de maio, os preços do milho no Brasil subiram mais de 13%, para cerca de 37 reais por saca de 60 kg, segundo indicador do Cepea, da USP. Enquanto em Chicago os valores subiram cerca de 25% no mesmo período, ganhando impulso adicional após o governo dos EUA reduzir nesta semana a estimativa de safra em quase 10%
O ano de 2016 pode ter deixado lições, quando uma seca quebrou fortemente a safra do Brasil. Na época, a gigante BRF, maior exportadora global de carne de frango, sofreu sérios problemas com custos maiores do milho, registrando prejuízo de 372 milhões de reais, resultados líquidos negativos que se ampliaram em 2017 e 2018.
Diante da surpreendente alta dos preços do milho no Brasil –apesar de uma safra recorde, que superaria 100 milhões de toneladas pela primeira vez–, a BRF indicou que está preparada.
“A BRF possui um percentual de volume já comprado mês a mês para os próximos 12 meses correntes. Essa dinâmica decorre de um mapeamento prévio em que a companhia consegue identificar o melhor formato de compra frente aos fundamentos de preço, câmbio e oferta/demanda do mercado”, disse a companhia em nota à Reuters.
“Com isso, a companhia reduz a exposição à volatilidade do mercado de commodities e estabelece uma estratégia coerente para formar seus estoques”, acrescentou.
Procurada, a JBS, dona da Seara, outra gigante do setor de carnes de aves e suínos no Brasil, preferiu não comentar o assunto.
Em evento recente com jornalistas, o analista de Alimentos e Bebidas da Itaú BBA Corretora, Antônio Barreto, comentou que, pelas conversas relacionadas a grandes empresas, “não parece que elas têm posição muito grande de milho”.
Carvalho, do Cepea, explicou que, como havia sinalização de que a safra brasileira seria grande, as indústrias locais aguardavam julho e agosto para realizar as compras, quando tradicionalmente os preços estão mais pressionados, pela maior oferta com o fim da colheita.
“A indústria aprendeu a se proteger, mas com o desenho da safrinha (segunda safra), realmente ela não estava muito coberta de contratos…”, disse Carvalho, do Cepea.
Na B3, o número de contratos em aberto de milho para o vencimento setembro era de pouco mais de 16 mil na quinta-feira, ante quase 24 mil no mesmo período do ano passado, um indicativo de menos agentes protegidos nos mercados futuros. Vale lembrar que, em 2018, o clima não favoreceu a safra de milho, e muitos agentes podem ter antecipado operações de hedge.
“Os mercados sinalizavam mais queda nos preços (este ano), e aí mudou com Chicago e o câmbio”, ressaltou o especialista.
Com o dólar sendo negociado a mais de 4 reais em maio, ficou muito favorável para o Brasil exportar, e o mercado local passou a operar seguindo a paridade de exportação, colocando mais pressão nas indústrias de carnes.
FATOR CHINA
O cenário de preços sustentados ocorre em momento em que as indústrias de carnes também deveriam estar mais ativas no mercado de milho, considerando a forte demanda da China, que tem importado mais proteínas para lidar com uma menor oferta por conta do impacto da peste suína africana em seus rebanhos.
Por outro lado, o setor de carnes de aves e de suínos, principais consumidores do milho produzido no Brasil, tem registrado grandes exportações com a demanda adicional da China e o câmbio também favorável para exportações.
“O setor vinha em um momento bastante favorável em termo de custos de produção, com melhores níveis de rentabilidade até o ‘portão’ da fábrica… A elevação do milho retirou uma pequena parte deste quadro favorável que, entretanto, foi compensado pela forte elevação nos níveis de exportação e a alta do dólar”, disse o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, ao responder perguntas da Reuters.
A ABPA, entidade que tem entre os associados empresas como BRF e Seara, da JBS, destacou que em carne suína, por exemplo, as exportações de maio cresceram 54,6% em receita cambial, enquanto a alta no faturamento em real atingiu 70%.
Segundo dados do governo, os preços da carne suína exportada pelo Brasil estão 17,5% maiores no início de junho, na comparação com 2018, enquanto as cotações da carne de frango exportada subiram 10%.
Isso após a China ter elevado embarques dessas carnes do país em cerca de 50% em maio.
“Obviamente que elevações de custos preocupam, mas o quadro atual está longe do cenário crítico vivido pelo setor produtivo em outros momentos…”, comentou Turra, ressaltando que, ainda que o Brasil exporte volumes recordes de milho, os estoques do cereal no país estarão entre os maiores da história.
Dessa forma, destacou o presidente da ABPA, o preço do milho, que representa mais de 60% do custo da ração, principal insumo da indústria de carne de frango e de porcos, talvez “tenha chegado ao nível mais elevado para o quadro atual”.
Turra disse ainda que, em momento de maiores custos, “é natural” que ocorram repasses de preços aos produtos do setor.
(Por Roberto Samora)